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Escritora da semana: Joana Duarte


Possui graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2013). É Mestra em Serviço Social (2016) pela mesma instituição. No mestrado pesquisou sobre adolescentes do sexo feminino em medida privativa de liberdade no Rio Grande do Sul e a interface com a seletividade penal de gênero no Sistema Socioeducativo. Desde estudo nasceu o livro “Para Além dos Muros”.

1- Como a tua dissertação de mestrado virou o livro “Para Além dos Muros”?
A dissertação de mestrado, defendida em 2016, pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC/RS, virou livro por dois motivos centrais: I) pela relevância do tema, tendo em vista que, o debate sobre gênero e socioeducação ainda é incipiente, portanto, este livro junto somando aos trabalhos das autoras Jalusa Silva de Arruda e Rochele Fellini Fachinetto são pioneiros no debate. II) pela parceria com a Editora Revan, esta que é reconhecida por publicações de obras cujo pensamento é o da criminologia crítica.

2 – Qual a importância no meio acadêmico que a publicação do livro e da dissertação tem?
Entendo que este livro tem papel importante no debate, bem como no seu aprofundamento, nos cursos de graduação, que abordam, por exemplo, o sistema de justiça juvenil brasileiro. Este é um tema caro para área das ciências sociais, portanto, vejo este livro também como uma contribuição para uma leitura mais acurada e histórica da construção dos direitos da criança e do adolescente no Brasil e os desafios de implementação e visibilidade de Gênero da recente Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.

3 – Qual o teu sentimento ao ficar tão próxima do teu objeto de estudo (as meninas)?
Importa destacar que as adolescentes não foram objeto de estudo, o objeto foi o modelo de execução vigente e seus desafios no reconhecimento e na visibilidade desse segmento no sistema de justiça juvenil brasileiro. Este livro não seria o mesmo sem as narrativas das adolescentes em medida privativa de liberdade, pois somente a partir delas foi possível chegar aos dados que dão materialidade ao presente estudo. Essa aproximação contou em especial com a metodologia de pesquisa utilizada, onde fiquei por três meses na unidade socioeducativa, e ali tive a oportunidade de conviver diariamente com as mesmas, entendendo a dinâmica e rotina institucional, bem como ouvindo suas aflições, dramas e resistências. São adolescentes que denunciam a ausência de cidadania anterior ao cometimento do ato infracional e que em boa parte ocupam o lugar de vítima antes do ingresso no sistema privativo de liberdade. Contudo nessa estrutura seletiva que é o Estado, não foram sujeitos passíveis de proteção. O convívio com as mesmas foi crucial para entender e desmistificar os estereótipos de gênero ainda existências no sistema de justiça e a formação discursiva da “boa menina” e da “menina que não tem jeito”. A unidade segue, assim, como nos idos de 1927, cujo fito é a recuperação moral e a domesticação dos corpos.

4 – Qual o impacto que tu espera que este livro tenha na sociedade?
Espero que este livro seja lido não só por pesquisadores (as), professores (as) e profissionais da área, mas que seja um livro também lido por curiosos. Entendo a curiosidade como uma das potências do saber, então saber sobre a realidade dessas adolescentes, incorre na possibilidade de romper com preconceitos, estereótipos e respostas fechadas acerca de uma realidade que, ainda é vista e à luz da punição e culpabilização. As narrativas são ricas e, por vezes, comoventes, porque mostram adura realidade de adolescentes pobres, habitantes da periferia e invisíveis enquanto sujeitos de direito.

5 – Tu vê algum caminho para mudar a situação que tu encontrou dentro da Casef?
Sim, claro. Acredito que a mudança está em debates como o título do livro sugere: para além dos muros. Como, por exemplo, o debate sobre a descriminalização das drogas, a proteção social enquanto um direito humano para todos e todas e o Estado Social presente nos becos e vielas, substituindo a massacrante realidade do Estado Penal (policial) que é rotina nessas comunidades que vivem as adolescentes. A mudança é estrutural e o CASEF constitui essa estrutura que hoje é punitiva e segregacionista.

6 – É um estudo que tu pretende dar continuidade de alguma maneira?
Sim, atualmente estou no doutorado no mesmo programa em que defendi a dissertação. Essa pesquisa foi crucial para o meu projeto de tese, que versa sobre a relação do Estado Penal – a política de tolerância zero –, os cartéis de droga no Brasil e no México na última década (2006-2016) e a infere com o debate de gênero. O que busco a partir desse trabalho e investigar a negligência dos estados no fomento de políticas públicas para a juventude proletária e o recrutamento desse segmento no mercado de trabalho informal e ilícito de drogas. Importa destacar que, tanto o Brasil quanto o México, não avançaram no debate da descriminalização ao contrário, intensificaram o aparato estatal bélico, e ao mesmo tempo criaram um exército industrial de reserva de adolescentes e jovens. Evidente que, essa relação perpassa o campo da cultura e da sociedade do consumo, ou seja, a descaracterização da cidadania desses jovens via consumo. A pesquisa de mestrado foi elucidativa neste aspecto, ao mostrar que esse ingresso no crime organizado guarda relação também com essa sociedade fetichizada e que em certa medida se reproduz de reforma arbitrária nas comunidades pobres e periféricas da América Latina. Portanto, é um segmento que só é visto no campo da criminalização pelo Estado, o que em parte responde à categoria subprisionalização, porque se constitui de forma distinta dos países ditos centrais. Essa categoria está fundamentada na obra de Ruy Mauro Marini, autor que iluminada todo o processo de elaboração construção da tese.

7 – Como foi a experiência de transformar esse estudo em um livro?
Essa experiência se deu a partir da banca de defesa, onde tive a contribuição do Professor Doutor Rodrigo Rodrigo Ghiringhelli e da Professora Doutora Beatriz Gershenson, bem como de amigos e amigas que leram o trabalho e contribuíram de forma positiva na realização do livro, em especial a Assistente Social Doutora Sílvia da Silva Tejadas. Não posso deixar de mencionar minha orientadora Professora Doutora Ph.D Patrícia Grossi, pois esse livro nasceu da nossa parceria e trabalho diário nos dois anos de pesquisa.

8 – Tu tem planos para a publicação de outros livros? Quais?
Em breve lançarei um livro organizado por mim juntamente com à professora Patrícia Grossi e o Mestre e Assistente Social Roberto Junior. Uma coleção de artigos de alunos e alunas do Programa de Pós-graduação em Serviço Social sobre pesquisa na área do Serviço Social.

9 – A literatura sempre foi presente na tua vida?
Sim. Minha relação com a leitura começou cedo, e se dúvida foi marcada pelo romance de Gabriel Garcia Márquez: crônica de uma morte anunciada. Li este romance com uns 12 anos de idade. O ato de é um ato político, portanto quanto mais lemos, mais questões são suscitadas e menos respostas temos. Em tempos de regressos civilizatórios uma boa e acurada leitura é indispensável. Ler significa atribuir sentido ao que vivemos e reproduzimos. A leitura tem essa capacidade de transformar e aperfeiçoar o nosso pensamento crítico. Costumo dizer que: quanto mais eu leio menos sei, porque a certeza passa a se objeto de interrogação e conflito. Uma sociedade sem questionamento incorre em riscos por vezes irreversíveis para a sociedade. Não há sociedade do consenso, e a literatura crítica mostra isso.

10 – Como foi o apoio da Universidade para o desenvolvimento da tua tese?
Cintei em grande parte com o paio do programa de pós-graduação. Isso desde o meu ingresso no mestrado até as questões burocráticas do dia a dia. Então, deixo aqui o meu agradecimento ao programa, à coordenadora Doutora Jane Cruz Prates e ao pessoal da secretaria, especialmente Andrea e Patrícia.